quarta-feira, 3 de março de 2010

Camões - Sonetos de Amor LII, LIII e LIV


Formosura do Céu a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida,

Que língua pode haver tão atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti há se vê perdida?

Se em teu valor contemplo, a melhor parte
Vendo, que abre na terra um paraíso,
Logo o engenho me falta, o espírito míngua;

Mas o que mais me impede ainda louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando não te vejo perco o siso.

Pois meus olhos não cansam de chora
Tristezas não cansadas de cansar-me,
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar,

Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me
Nem deixe o mundo todo de escutar-me
Enquanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, aves, plantas pedras, águas,

Ouçam a longa história de meus males
E curem sua dor com minha dor,
Que grandes mágoas pode curar mágoas.

Vossos olhos, que competem
Com o sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lágrimas, de vê-los, se derretem
Cheios de medo, por fugir remetem.

Porém, se então me vede por acerto,
Esse áspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.
Oh gentil cura e estranho desconcerto!
Que dareis com um favor que vós não dais,
Quando com desprezo me dais vida?

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